Análise da estrutura

Os projetos elaborados com o AltoQi Eberick são superdimensionados?

Segundo o grande engenheiro italiano Luigi Nervi (em LEET 1991), todos os seus projetos surgiam espontaneamente do conhecimento da distribuição das forças e a procura das formas que expressassem, simples e economicamente, o modo como elas se interagiam. Tais formas não eram calculadas, mas sim projetadas. Cálculos são apenas maneiras de verificar se as formas são compatíveis com as tensões. Outras formas poderiam ser propostas e seriam capazes de suportar as mesmas cargas. Entretanto, somente uma das formas é a melhor, ou como Nervi costumava dizer, estruturalmente “correta”, e esta é a forma na qual o princípio da economia é mais claramente expressado. Procurar por ela e encontrá-la é um ato criativo, que não tem relação exclusivamente com os cálculos.

Embora a maior parte dos procedimentos para se projetar um edifício em concreto armado seja formada por algumas rotinas de cálculo já solidamente estabelecidas, a obtenção de uma solução que se harmonize com a arquitetura e com os aspectos econômicos do empreendimento é um processo bem mais sofisticado. Como cada estrutura tende a ser única em relação a diversos itens, tais como o projeto arquitetônico, o carregamento, as condições das fundações e etc, não é possível estabelecer um procedimento padrão capaz de obter automaticamente a solução ótima para o sistema estrutural.

Conforme KRIPKA (2003), por envolver um número significativo de variáveis, a análise e o dimensionamento de estruturas de edifícios em concreto armado, geralmente, necessitam ser efetuados de maneira iterativa, ou seja, por meio de aproximações sucessivas para se obter o resultado desejado. Devido ao fato deste procedimento ser iterativo, os valores adotados inicialmente para as variáveis dependem tanto da sensibilidade como da experiência prévia do projetista. Sem o emprego de técnicas e programas sofisticados de otimização, o número de repetições exigido para este procedimento simplificado seria demasiadamente elevado, se o projetista quiser obter os valores ideais (ou “ótimos”) que caracterizam um projeto otimizado.

Além de envolver todos os aspectos citados anteriormente, um projeto estrutural deve obedecer ou estar de acordo com todos os procedimentos fixados pelas normas de projeto e construção para estruturas de concreto armado, e, seguir os conhecimentos das bibliografias específicas de concreto armado que são aceitos por consenso entre os engenheiros de estruturas.

Os programas de computador em princípio, em um mesmo país, não devem apresentar resultados muito diferentes para uma estrutura lançada com o mesmo modelo estrutural e com os mesmos carregamentos e dimensões dos elementos estruturais, se os procedimentos de análise forem os mesmos, já que todos estão submetidos às mesmas normas de projeto e devem ter sido desenvolvidos de acordo com elas. Não existem, portanto, diferenças relevantes entre resultados de quantidade de materiais desses programas. Quando são identificadas diferenças nos resultados, isto possivelmente se deve a algum erro de julgamento, por não ter sido verificado que foram adotados modelos estruturais ou critérios de cálculo diferentes.

O projeto de um edifício calculado com um modelo em pórtico espacial de nós rígidos, com a consideração dos efeitos devidos ao vento e efeitos de segunda ordem global, não pode obviamente ser comparado com o mesmo projeto calculado com um modelo simplificado de pavimentos isolados, com a consideração da hipótese de vigas sobre vigas e com a desconsideração dos efeitos do vento e da deslocabilidade da estrutura.

A NBR 6118:2014 diz que todas as condições impostas ao projeto devem ser estabelecidas previamente e em comum acordo entre o autor do projeto estrutural e o contratante, e que para atender aos requisitos de qualidade impostos às estruturas de concreto, o projeto deve atender a todos os requisitos estabelecidos nesta Norma e em outras complementares e específicas, conforme o caso.

A NBR 6118:2014 também expõe que o objetivo da análise estrutural é determinar os efeitos das ações em uma estrutura, com a finalidade de efetuar verificações de estados limites últimos e de serviço. A análise estrutural permite estabelecer as distribuições de esforços internos, tensões, deformações e deslocamentos, em uma parte ou em toda a estrutura. A análise deve ser feita por um modelo estrutural realista, que permita representar, de maneira clara, todos os caminhos percorridos pelas ações até os apoios da estrutura e que permita também representar a resposta não linear dos materiais. 

Os projetos elaborados com base nestes princípios é que deverão servir de parâmetro de comparação para outros projetos, não importando qual a ferramenta computacional utilizada. Os programas para cálculo de edifícios, em geral, permitem e não conseguem impedir, que o projetista, ao seu critério, considere hipóteses simplificadoras no seu projeto como, por exemplo, a não consideração das forças devidas ao vento, dos efeitos de segunda ordem global, a inclusão de rótulas em pilares, a modelagem de pavimentos com vigas sem o efeito de grelha e etc.

Com essas hipóteses simplificadoras, em geral o projetista consegue uma redução nas dimensões e, consequentemente, no volume de concreto e na quantidade de aço de um edifício. Estas hipóteses simplificadoras eram muito usadas quando os engenheiros não dispunham de ferramentas de cálculo que permitissem a análise mais rigorosa, possível de ser elaborada atualmente com o auxílio dos computadores e programas hoje em dia. Sem a possibilidade de calcular rapidamente os pórticos da estrutura, os engenheiros normalmente desprezavam os efeitos do vento e os momentos fletores transmitidos aos pilares pelas vigas e, consequentemente, os pilares eram dimensionados apenas como sujeitos ao esforço normal e as vigas como simplesmente apoiadas e rotuladas nas extremidades.

Observação: A Norma NBR 6118:2014 é clara no item 16.3, estabelecendo que não aceita o dimensionamento de pilares somente para carga centrada.

Hipóteses simplificadoras também eram adotadas no cálculo dos pavimentos com as lajes consideradas isoladas e apoiadas em vigas que, por sua vez, eram consideradas como apoios indeslocáveis. As vigas também eram calculadas "isoladas", simplesmente apoiadas nos pilares e rotuladas nos apoios extremos. O efeito de grelha entre as vigas do pavimento era desprezado e o cálculo era realizado pelo processo conhecido como "vigas sobre vigas".

As estruturas construídas com esses procedimentos de cálculo simplificados têm resistido aos esforços a que são solicitadas com uma margem de segurança aparente (dizemos aparente porque não conhecemos o índice de confiabilidade de cada uma, a não ser que fosse elaborado um cálculo específico deste índice). Porém, o mesmo não pode ser dito a respeito do  desempenho em relação aos estados limites últimos de utilização.

Observação: Nessas estruturas, é bastante comum a observação de flechas excessivas e danos nos elementos não estruturais, tais como paredes e esquadrias das aberturas, nos casos em que as simplificações citadas acima fossem levadas ao extremo e nenhum cálculo de verificação dos deslocamentos pudesse ser realizado.

Os resultados desses projetos persistem até hoje, como elemento de comparação entre os projetos que podem ser realizados atualmente com os recursos modernos, especialmente no que diz respeito às quantidades de materiais do concreto e aço. É indiscutível que, com essas hipóteses extremamente simplificadoras, se possa obter quantidades de concreto e aço menores, para o mesmo edifício, comparadas com o projeto elaborado com os critérios mais rigorosos.

No entanto, é importante salientar que estas hipóteses simplificadoras, especialmente aquelas que desrespeitam as prescrições das normas vigentes, são fatores que diminuem o índice de confiabilidade da estrutura, isto é, aumentam a probabilidade da ocorrência de limites não aceitáveis em serviço e também aumentam a probabilidade de colapso. Nestes casos, os engenheiros, responsáveis pelo projeto e pela execução, serão responsabilizados pela não observância das prescrições das normas, caso isto venha a ocorrer.

Observação: O programa AltoQi Eberick calcula os pavimentos através de um modelo em analogia de grelha que integra as lajes e as vigas em uma estrutura única, obtendo resultados muito próximos da análise destes pavimentos pelo método dos elementos finitos. Atualmente, o AltoQi Eberick também contempla a opção de analisar a estrutura por um modelo integrado das lajes com as vigas, pilares e demais elementos. Confira: Diferenças na análise de lajes pelo modelo integrado ou pelo modelo de grelha + pórtico.

O cálculo de pavimento feito por este procedimento, além de estar de acordo com os procedimentos da norma brasileira, apresenta resultados mais realistas que os processos simplificados com lajes isoladas, principalmente quando as vigas de apoio não são suficientemente rígidas para que a hipótese de apoios indeslocáveis seja verdadeira. A analogia de grelha apresenta bons resultados para os deslocamentos (flechas) das lajes e vigas dos pavimentos, permitindo assim um bom controle sobre as deformações excessivas que podem ser prejudiciais para os elementos estruturais e para o conforto dos usuários da edificação.

Quanto ao cálculo das vigas e pilares, no caso de edifícios de concreto armado monolíticos e moldados in loco, o comportamento da estrutura é de um pórtico espacial de barras, desde que os elementos estruturais vigas e pilares possuam dimensões da seção transversal que justifiquem este modelo, como é a maioria dos casos. No modelo de pórtico espacial, os nós das estruturas de concreto armado podem ser considerados como rígidos, dentro dos limites da análise elástica linear, e alguma redistribuição de esforços é possível e permitida (ver item 14.5.3 da NBR:6118:2014) para diminuir os momentos negativos das vigas nos apoios e reduzir a quantidade de armadura que congestiona o nó.

Hipóteses de pilares rotulados em estruturas de concreto monolíticas não correspondem à realidade, especialmente, nos pilares de canto e bordo. Isto está claro na norma NBR 6118:1978, no item 3.2.3. Neste item a norma diz que apenas os pilares intermediários, nos casos que se enquadram no item 3.2.3.3.B.d, i.e. pilares em que se apoiam vigas com diferença entre vãos inferior a 20%, podem ser calculados sem considerar os momento fletores transmitidos pelas vigas por efeitos de pórtico.  

Estudo de caso - Edifício Residencial

Apresenta-se a seguir, como ilustração, os resultados das quantidades de concreto e aço para um edifício de múltiplos andares, residencial, com seis pavimentos tipos e dois pavimentos de garagem, projetado para ser construído na região sul.

A estrutura dos pavimentos é composta de lajes nervuradas com 24 cm de espessura, sendo 4 cm de capeamento em concreto e 20 cm em enchimento com blocos cerâmicos de 20x30x30cm. As vigas no contorno do pavimento são altas com 12x65 cm e as vigas internas são da mesma espessura da laje, com dimensões da ordem de 50x24 cm. O construtor solicitou que os pilares, sempre que possível, não tivessem largura superior a 17 cm, para evitar o excesso de ressaltos no interior dos apartamentos, este é um fator que geralmente acarreta um consumo de aço mais elevado. As fundações do edifício são do tipo sapata, assentadas sobre um terreno de boa resistência com pressão média admissível de 4 kgf/cm².

Para um estudo comparativo foram analisados os resultados da análise, dimensionamento e detalhamento de três hipóteses de cálculo para a estrutura:


Os resultados obtidos foram:


Se forem analisadas as taxas de armadura, a do modelo 1 é 106,8 kgf/m³, a do modelo 2 é 103,1 kgf/m e a do modelo 3 é 89,5 kgf/m, pode-se dizer que são taxas acima da média desejável que é de 80 kgf/m³ para este tipo de edificação. Mas este valor ideal de taxa média também não está estabelecido formalmente, pois ele depende de diversas variáveis de otimização de projeto tais como: os custos do concreto, do aço e da mão-de-obra, entre outras.

Em certos casos, as condições do projeto não permitem um volume mais elevado de concreto, para diminuir o consumo de aço, como é o caso dos edifícios onde a largura dos pilares é limitada por condições impostas pelo arquiteto e pelo proprietário do empreendimento.

Os parâmetros de consumo de materiais, como concreto e aço podem variar muito de acordo com diversas variáveis consideradas no problema de otimização do projeto de edifícios em concreto armado e, portanto, não é possível estabelecer-se, rigorosamente, valores de comparação para eles.

Resultados coletados de diversos projetos elaborados, indicam os seguintes valores como limites inferiores e superiores, que podem servir como indicadores para o controle da qualidade de projetos:

  • Volume de concreto por área construída: de 0,14 a 0,25 m³/m²
  • Taxa de armadura aço/volume de concreto: de 60 a 130 kgf/m³

 

Autor: Eng.º Jano d'Araujo Coelho

Referências bibliográficas

[1] KRIPKA, M. Otimização do Custo de Estruturas de Concreto Armado Analisadas pelo Modelo de Grelha. V Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto, 2002.

[2] LEET K. Reinforced Concret Design - McGRAW-HILL- 1991.00